sexta-feira, 18 de julho de 2008

Cantos da Praia

Cantos da Praia






















A SEDA

A seda que lhe vestiu
Naquele dia
Foi a minha fantasia

Você me amaria?
Sim, você gostaria!

De mim?
Não!
Da minha fantasia!

Minha querida
Vida – mamãe – 27.11.1995
Gil acordava de madrugadinha, pela alba, e ficava olhando o mar e seus movimentos, os pescadores, as velas dos barcos, as ondas e o vento. Mal dava pra ver, àquela hora. Gil se concentrava, em recolhimento meditativo e ditava seus versos de uma vez.

- Escreve aí, papai, a minha poesia.
A primeira poesia que ele me ditou foi:

Os anjos caminham contra o vento
As luzes se acendem
Os coqueiros se abrem
A maré enche e as pedras aumentam
Quando os diabos vem
O mundo fecha todo
E os vendedores tiram as barracas do lugar.

Gil tinha quatro anos. Eu me surpreendi muito com sua atitude temporã. Ele exigia que se lesse depois e que se mantivesse cada uma das suas palavras, tal como as havia suavemente declamado.
Embora eu seja um educador que acredite fundamentalmente na linguagem poética e às vezes goste de dizer poesia em torno da mesa da sala, em família, mesmo assim não vejo razão para tamanho desejo infante.
Agora Gil já sabe ler e escrever. Mas quase não faz poesia. Deve estar guardando suas armas secretas.

Natal, 25 de maio de 1996

Do papai pro Gil





















Nancy e Dirceu

Eu quero que vocês leiam esta poesia

Os anjos caminham contra o vento
O barco bóia
Numa linda paisagem
Na água doce

O navio pode ter cinco portas
Por causa dos chineses
Será que o kimono
Pode ser verde?
Eu acho que o leite pode ser verde
Se o kimono pode
O mundo é tão lindo
Assim acaba a poesia
* 15/03/1993 *












Tio Irocy

O vento é bonito
Como desenho de criança
Igual a um ventilador de uma borboleta com asa vermelha

Mesmo assim
Sem proteger as coisas
Não verá mais povos

Para ganhar dinheiro e sobreviver

* 02/06/1993 *















Muitas pessoas sabem
Que deus é nosso pai
E lá no alto
Tem muitos paises
De muitos anjinhos
E muitas pessoas também sabem
Que lá em cima
É muito Lindo!

















Um dia sim
Outro dia não
Uma casa grande
Um casarão

O dia de páscoa
É um grande pensamento
Do meu pássaro












Eu me alegro com a alegria em si
-Está gostando?
Muito?
Ih, pai, não era pra escrever isto...






O dia é tão tarde
E a noite é tão fria
E a tarde é tão quente
Eu abro os meus braços
Pro dia e pra noite
O dia é a noite
E a noite é o dia
No meu coração
Ver uma coisa bem distante
Da noite e do dia
Eu durmo com ele
Com todo o meu coração
Um poeta não abre os seus braços
Pra mentira
Só pra verdade




















Saudade de dia
Saudade de noite
Eu morro neste piano
De saudade de você

* 07/11/1993 *














Os pássaros vão passear na lua
Depois disso eles dão coisas para as crianças

Saberes & Sabedorias

























POESIA 21
Alegrecer a lágrima sua
De choro e vontade

Os anjos
Há quarenta anos
Não são de nada


















Quando é de noite
Os pássaros fecham as asas
E vão para o seu ninho novo
Os coqueiros fecham as asas
As casas ficam com as luzes apagadas
E as folhas caem das arvores
Com muita água de chuva




















Eu escrevo essa poesia
Por causa de um poeta
Meu amigo
Que morreu

(depois de saber da morte de
mário Quintana pela tv)

* 1994 *

















Os anjos caminharam
Muito bonitos
Em frente ao salão

Até que surgiu
Uma parte bonita do mundo
Como uma pérola













Logo no dia
Uma poesia
Muito bonita
Se surgiu

Depois veio

Os anjos caminham contra o vento
De um longo dia

Cavaleiros preparados
-Os cavaleiros não perderam a guerra!


















Nada é mais lindo do que a poesia

A menina quer dançar
Não sabe sambar
Mas sabe andar
E esta menina
É muito bonita
Pois essa menina
É mais bonita



















Vai e não volta mais
Dissirei o que já disse
O que é isso?
Digaria-se que não é mais
Dissizarei o que vou dissizar













O campo
Tem dois dias
Da morte
&
Noite

Os galos morrem
De uma só tocada
E não tem mais
O que beber




Antônio Gil
Direto do campo
Dias sim dia não










Para a mamãe

Mãe
Eu gosto de você
Uma poesia do coração para você
Bonita pra diabo



As nuvens se abrem
As pessoas pulam
A gente pega coco nos coqueiros
Os barcos vão pegar peixe
Quando se acabam essas coisas
As pessoas vão almoçar














Eu sabia da lua
E não sei do luar

A pedra do dia
A pedra do ar

Essa poesia era para me lembrar

A noite do dia



* 1994 *
O espelho tem a cor
De um lazer
De flor
Como as pessoas


















O POETA DE CORAÇÃO

Sera que quem não e poeta não tem coração?

Olha o menino que quer jogar futebol
Ele não sabe chutar
Mas sabe golear
















Um amigo se perde
A vida se perde
Um amigo é a luz
A luz é um amigo

Eu tenho prazer de ter a vida
Da vida eu tenho prazer
Talvez a vida tenha prazer de mim


* 8/7/1994 *

















O céu e azul
A cor do mar
O vento passa
profunda água
A água é o sol
Vou colorir a praça
Com uma boa vontade...!...!...!

* 1994 *

terça-feira, 15 de julho de 2008


OS DEZ MANDAMENTOS


1 – Estar sempre aprendendo com o outro, a cultura dele só faz irrigar a vida dele e o meu saber e a minha vida.

2 – O outro é o Lúmpen, a criança Lúmpen; o soldado Lúmpen; o partido Lúmpen; o Espaço Lúmpen; a História Lúmpen;

3 – A história Lúmpen é a história dos homens vivos, que organizam sua luta, a sua máquina de guerra;

4 – Temos que afirmar a linguagem Lúmpen, a única verdadeira, a única que esse homem efetivamente fala. O primeiro princípio da sua servidão, ele sempre soube, é falar a língua padrão;

5 – Deixando-o falar afirmamos a sua textualidade e fazemos brilhar o seu contexto;

6 – A história dos Lúmpen nunca será a história dos vencidos; História dos Vencidos é toda a história do passado. A história viva é um fluxo permanente, tal como a palavra.

7 – O princípio básico do Lúmpen é a sua autonomia. Para isso terá que criar formas solidárias no campo econômico, terá que desenvolver a sua cultura popular, o seu lugar político, a sua linguagem, o seu meio comunicativo.

8 – À proporção que a sociedade capitalista perpetrar seus crimes, eles avançarão na criação do seu mundo. Não aceitarão jamais a pecha da miséria anunciada.

9 – A única gramática que interessa é a gramática do dialeto. Nada de bom uso, de padrão.

10 – Criaremos juntos o Lugar para a maioria dos habitantes do 4º. Mundo.










seguindo as pegados do touro...


कोर्देल डा विला, दे अंतोनियो leal



Cordel da Vila de Ponta Negra

onde se conta a incrível história da rainha Maria das Dores que não foi Augusta mas Barrado, não foi Bragança mas Lima, nem foi d Áustria nem de França, não foi Augusta mas Silva, nem foi Bragança mas Nascimento, a nossa Rainha Mãe...







A Vila apresenta esta noite meus senhores

A história da rainha Maria

Foi mulher de tantas Dores

Que viveu no Paraíso

Mas foi perdendo o Juízo

No meio do Escandaloso


O mar vai virar sertão

Foi tiro pra todo lado

Que os pássaros foram embora

E largaram de mão a história

O mar ficou horroroso

E o perfume mal cheiroso

Tirou os peixes daqui


O velho Piloto dos Lima

Que guardava na memória

Tantas lendas, e esta história

Foi-se embora pro outro lado

Nós somos os apresentadores

Herdeiros de tudo isso

Nesta brincadeira popular


É que nós vamos contar

Maria casou três vezes

E matou os três maridos

Nenhum de morte matada

Os três de morte morrida

Nós vamos aqui contar

É cheio de encantamento


Ela era bem pequena

E inventou um boneco

Um passarão avoante

Um jaraguá, meu irmão

Era tão interessante

Que a garotada esperava

E à noite ele passava




Sobre as casinhas da Vila.

- Olha o boneco passarão

A garotada dizia

E a menina do alto respondia

Eu sou passarinho, passarinho

E vou procurar é fruta

Pra encher minha barriga


Tudo era aberto e franco

Na Vila de Ponta Negra

Quero plantar vou e planto

Que terra não falta, não

Quer construir uma casa?

Faz bem aqui do meu lado

Que não precisa dinheiro.

Não mexa no meu coqueiro!


Vou procurar é fruta

Pra encher minha barriga

A menina repetia

Todo dia, na hora certa

Manga, goiaba, araçá

Achava em qualquer lugar


A menina ficou moça

E foi virando rainha

As vezes dançava sozinha

Em frente à casa de taipa

Chegou um rapaz de fora

Com ele dois militares

E um tal americano


Tu és linda, caso contigo

Ah, eu tive um sonho

Esta terra...

É campo de passarinhos

Disse Maria, e nunca estamos sozinhos

No meio da passarada


Os dois estavam casados

E ela vinha atrás da fruta

A bordo do passarinho

E avistou um caçador

Que lá caçava sozinho

Era um rapaz dos Barrado

Ela quis fazer amor





Era amor pra todo lado

A rainha não era de Bragança

E fez amor com os do Congo

Não era rainha de França

E foi mulher de um dos Lima

Na Vila dePonta Negra

Maria pariu cem filhos!


Maria brincava Pastoril

Dançava coco de roda

Isto nunca se acaba

Na vida de uma nação

É o que a rainha dizia

No meio da animação


O homem, seu primeiro amor

Virou o governador

Do nosso estado do norte

Um dia fez confissão

Eu tive um sonho

Que esta terra, este ano

Vai virar um solo americano


Nem se pensava na guerra

O governador deu de presente

Pra agradar aquela gente

Lancem daqui seus foguetes

Esta terra é plataforma

De aviões e lançamentos

Que hão de chegar à lua


Rainha Maria das Dores

Um dia foi caçar frutas

E caiu na armadilha

Presa no arame farpado

Ela e o seu jaraguá

Me dá a foice afiada

Que corto esse arame já.


Na Barreira do Inferno

A dança do Jaraguá

Furioso. A rainha ficou louca

Um gato furrunfunfato

Um gato triunfunfato

Um gato fierfunfato

Acabou o Paraíso






Sete dias se passaram

Maria perdeu o juízo

E lá dentro do palácio

Quebrou todos os espelhos

Acabou-se o paraíso

Que morra o meu amor

Morreu o governador!


Depois o mar encrespou

E Maria entrou no mar

Sete dias, sete noites

E o passarão a voar,

Sobre as ondas, sobre as ondas

Maria ficou encantada

E subia nas jangadas


Foi tudo que é pescador

Desde os Congo aos Rodrigues

Foi tudo fazendo amor

Com a mãe das águas do mar

E foram sendo criados

Pelos barraqueiros da praia

Mas ela casou novamente


Era um homem que possuía

Um belo carro e dinheiro

Quero casar-me contigo

Eu tive um sonho, esta praia...

Maria lembrou-se do sonho

Do antigo governador

Mandou que calasse a boca

Esse seu novo senhor


Mas logo a realidade

Pegou Maria de espanto

Estava no mar e não viu

Derrubaram as barracas

Alimento de tanta gente

Deixando as gentes ao léu

Andando na praia a esmo









Não quer comprar um sorvete

Caipirinha, ou cerveja?

Compre um CD meu irmão

Quer queijo, quer camarão

Ou quer ostra com limão

E se quiser outra coisa

Eu também posso arranjá




Viram a rainha louca

Montada num Jaraguá

Subiu e sumiu no céu

Viu sua gente miúda

Entre a terra que era grande

E o mar que era sem dono

Seu povo pedia ajuda.


Uma noite ela cansou

Ficou tão longe da Vila

Gente chegou com saudade

Chamando ela de mãe

E chegou um italiano

E se encantou pela estranha.


E disse: tive um sonho

To cheio de encantamento

Maria não disse nada

Das dores perdeu a língua

Já era do mal alvitre

Alguma coisa de errado

Viria naquela história.


O homem pegou mulheres

Beijou-as, deu-lhes dinheiro,

Também pegou as mocinhas

Pouco mais do que crianças

Ensinou-as a vender

O sexo, a qualquer preço

Maria não disse nada.


Estrangeiro tava morto

Comido pelos siris

Foi-se o terceiro homem

Se ela quis ou se não quis

Marido, acontecimento

Será coisa de momento?

Maria não quis pensar.



Voltou pra casa de taipa

Nunca mais disse palavra

Já se passaram cem anos.

Nas cordas estão pendurados

Os seus jaraguás de reis

Este cordel encantado

Que eu fiz para vocês.


Nossa arte, encantamento

São palavras da rainha

Dou vivas aos pastoris

Dou vivas às pastorinhas

Boa noite, meus senhores

Os congos e as lapinhas

Boa noite meus senhores.