Cordel da Vila de Ponta Negra
onde se conta a incrível história da rainha Maria das Dores que não foi Augusta mas Barrado, não foi Bragança mas Lima, nem foi d Áustria nem de França, não foi Augusta mas Silva, nem foi Bragança mas Nascimento, a nossa Rainha Mãe...
A Vila apresenta esta noite meus senhores
A história da rainha Maria
Foi mulher de tantas Dores
Que viveu no Paraíso
Mas foi perdendo o Juízo
No meio do Escandaloso
O mar vai virar sertão
Foi tiro pra todo lado
Que os pássaros foram embora
E largaram de mão a história
O mar ficou horroroso
E o perfume mal cheiroso
Tirou os peixes daqui
O velho Piloto dos Lima
Que guardava na memória
Tantas lendas, e esta história
Foi-se embora pro outro lado
Nós somos os apresentadores
Herdeiros de tudo isso
Nesta brincadeira popular
É que nós vamos contar
Maria casou três vezes
E matou os três maridos
Nenhum de morte matada
Os três de morte morrida
Nós vamos aqui contar
É cheio de encantamento
Ela era bem pequena
E inventou um boneco
Um passarão avoante
Um jaraguá, meu irmão
Era tão interessante
Que a garotada esperava
E à noite ele passava
Sobre as casinhas da Vila.
- Olha o boneco passarão
A garotada dizia
E a menina do alto respondia
Eu sou passarinho, passarinho
E vou procurar é fruta
Pra encher minha barriga
Tudo era aberto e franco
Na Vila de Ponta Negra
Quero plantar vou e planto
Que terra não falta, não
Quer construir uma casa?
Faz bem aqui do meu lado
Que não precisa dinheiro.
Não mexa no meu coqueiro!
Vou procurar é fruta
Pra encher minha barriga
A menina repetia
Todo dia, na hora certa
Manga, goiaba, araçá
Achava em qualquer lugar
A menina ficou moça
E foi virando rainha
As vezes dançava sozinha
Em frente à casa de taipa
Chegou um rapaz de fora
Com ele dois militares
E um tal americano
Tu és linda, caso contigo
Ah, eu tive um sonho
Esta terra...
É campo de passarinhos
Disse Maria, e nunca estamos sozinhos
No meio da passarada
Os dois estavam casados
E ela vinha atrás da fruta
A bordo do passarinho
E avistou um caçador
Que lá caçava sozinho
Era um rapaz dos Barrado
Ela quis fazer amor
Era amor pra todo lado
A rainha não era de Bragança
E fez amor com os do Congo
Não era rainha de França
E foi mulher de um dos Lima
Na Vila dePonta Negra
Maria pariu cem filhos!
Maria brincava Pastoril
Dançava coco de roda
Isto nunca se acaba
Na vida de uma nação
É o que a rainha dizia
No meio da animação
O homem, seu primeiro amor
Virou o governador
Do nosso estado do norte
Um dia fez confissão
Eu tive um sonho
Que esta terra, este ano
Vai virar um solo americano
Nem se pensava na guerra
O governador deu de presente
Pra agradar aquela gente
Lancem daqui seus foguetes
Esta terra é plataforma
De aviões e lançamentos
Que hão de chegar à lua
Rainha Maria das Dores
Um dia foi caçar frutas
E caiu na armadilha
Presa no arame farpado
Ela e o seu jaraguá
Me dá a foice afiada
Que corto esse arame já.
Na Barreira do Inferno
A dança do Jaraguá
Furioso. A rainha ficou louca
Um gato furrunfunfato
Um gato triunfunfato
Um gato fierfunfato
Acabou o Paraíso
Sete dias se passaram
Maria perdeu o juízo
E lá dentro do palácio
Quebrou todos os espelhos
Acabou-se o paraíso
Que morra o meu amor
Morreu o governador!
Depois o mar encrespou
E Maria entrou no mar
Sete dias, sete noites
E o passarão a voar,
Sobre as ondas, sobre as ondas
Maria ficou encantada
E subia nas jangadas
Foi tudo que é pescador
Desde os Congo aos Rodrigues
Foi tudo fazendo amor
Com a mãe das águas do mar
E foram sendo criados
Pelos barraqueiros da praia
Mas ela casou novamente
Era um homem que possuía
Um belo carro e dinheiro
Quero casar-me contigo
Eu tive um sonho, esta praia...
Maria lembrou-se do sonho
Do antigo governador
Mandou que calasse a boca
Esse seu novo senhor
Mas logo a realidade
Pegou Maria de espanto
Estava no mar e não viu
Derrubaram as barracas
Alimento de tanta gente
Deixando as gentes ao léu
Andando na praia a esmo
Não quer comprar um sorvete
Caipirinha, ou cerveja?
Compre um CD meu irmão
Quer queijo, quer camarão
Ou quer ostra com limão
E se quiser outra coisa
Eu também posso arranjá
Viram a rainha louca
Montada num Jaraguá
Subiu e sumiu no céu
Viu sua gente miúda
Entre a terra que era grande
E o mar que era sem dono
Seu povo pedia ajuda.
Uma noite ela cansou
Ficou tão longe da Vila
Gente chegou com saudade
Chamando ela de mãe
E chegou um italiano
E se encantou pela estranha.
E disse: tive um sonho
To cheio de encantamento
Maria não disse nada
Das dores perdeu a língua
Já era do mal alvitre
Alguma coisa de errado
Viria naquela história.
O homem pegou mulheres
Beijou-as, deu-lhes dinheiro,
Também pegou as mocinhas
Pouco mais do que crianças
Ensinou-as a vender
O sexo, a qualquer preço
Maria não disse nada.
Estrangeiro tava morto
Comido pelos siris
Foi-se o terceiro homem
Se ela quis ou se não quis
Marido, acontecimento
Será coisa de momento?
Maria não quis pensar.
Voltou pra casa de taipa
Nunca mais disse palavra
Já se passaram cem anos.
Nas cordas estão pendurados
Os seus jaraguás de reis
Este cordel encantado
Que eu fiz para vocês.
Nossa arte, encantamento
São palavras da rainha
Dou vivas aos pastoris
Dou vivas às pastorinhas
Boa noite, meus senhores
Os congos e as lapinhas
Boa noite meus senhores.
2 comentários:
olha,
nem tudo que lí [do pouco que lí] em minha vida, eu lembrarei ou abarei por citar um dia em uma mesa de boemía.
mas "talvez a vida tenha pazer de mim" e "eu morro neste piano de saudade de você" certamente um dia farão parte do meu vocabulário.
delíciada!
acabarei*
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